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CONVERTER-SE: OUTRO MODO DE VER

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Lc 13, 1-9

Parece que é a «chamada à conversão» que serve de ligação às duas partes do presente relato.

Na primeira, Jesus desmonta a ideia (tradicional) segundo a qual as desgraças e, em geral, a dor, seriam consequência do pecado. Essa crença não fazia senão acrescentar culpabilidade e angústia às situações dolorosas.

Contudo, e embora pareça paradoxal, na linha seguinte faz ver que os nossos atos inevitavelmente têm consequências: «Se não vos arrependerdes, morrereis todos do mesmo modo».

E esta seria a forma adequada de entender o que, noutras tradições, se conhece como karma ou lei kármica, cuja formulação pode expressar-se deste modo: no mundo das formas, toda a ação provoca um resultado («quem semeia ventos, colhe tempestades»).

Mas, ao tratar-se de um tema delicado, devido a leituras apressadas ou errôneas, torna-se necessário fazer alguma contextualização. As ações que produzem karma são aquelas em que há alguma forma de apropriação, porque vamos à procura de algum fruto.

Pelo contrário, quando vivemos a desapropriação, a ação adequada passa através de nós, como se fosse através de um canal, limpidamente. A desapropriação em relação ao fruto da ação elimina os efeitos negativos.

Uma tal desapropriação implica que a pessoa não se identifique com o eu; não tem consciência de ser o fazedor. Do mesmo modo que uma onda emerge do oceano para em seguida voltar para ele, assim também a ação surge na pessoa para desaparecer do mesmo modo.

À mudança que vai de uma atitude egoísta a outra desapropriada, Jesus chama «conversão» (meta-noia).

Numa leitura moralizadora dos textos evangélicos, as palavras de Jesus soavam a ameaça grave: «Se não vos arrependerdes, morrereis todos do mesmo modo». Não se sabia muito bem o que significava isso da «conversão», mas certamente soava a mortificação, culpabilidade e confissão. E se percebia como uma «espada de Dâmocles» pendendo sob as nossas cabeças, com a imagem de um Deus ameaçador ao fundo.

Isso não existe. A palavra «conversão» não remete para nenhuma ameaça — no sentido habitual do termo —, mas é promessa de vida. Para não «morrer» — «de que serve ao homem ganhar o mundo inteiro se perder a sua vida?, dirá o próprio Jesus (Marcos 8, 36) —, é necessário «converter-se», isto é, aprender a ver as coisas «de outra maneira», para além (meta) da mente (nous), que produz uma transformação na pessoa.

A transformação, segundo Jesus, não é outra coisa senão o abandono do ego: «quem quiser salvar o seu eu, perderá a vida, mas quem o perder por mim e pela boa notícia, salvá-la-á» (Marcos 8, 35).

É tudo uma questão de compreensão, de ver que a nossa verdadeira identidade não é o eu. E que, quando esquecemos isto, estamos a viver para ele, sem ter consciência de que, assim, estamos a perder a vida.

A identificação com o eu faz-nos viver em chave de apego (ao que nos parece agradável) e de recusa (para com aquilo que etiquetamos como negativo), girando em torna de nós mesmos e à mercê dos inevitáveis vai-e-vens da impermanência no mundo das formas.

Ao deixar de nos identificarmos com ele, abrimo-nos à totalidade, de uma maneira respeitosa e admirada. Aceitamos os «altos» e os «baixos» da existência, reduzimo-nos ao que é (que adota a forma do «isso passa») e descansamos na confiança que emerge permanentemente da totalidade do Real, quando sabemos estar à escuta.

Deixamos a arrogância de quem pensa saber o que é «bom» em cada momento e vivemos a aceitação humilde e a docilidade desapropriada para que «passe» através de nós o que a Vida oferece.

Conta-se do rei Afonso X, o Sábio, que, enquanto lhe liam o relato do livro do Génesis, comentou: «Se eu tivesse estado com Deus no dia da criação do mundo, tinha-lhe dado uns quantos conselhos». Esse é exatamente o modo como se expressa o ego. Só quando deixamos essa arrogância, podemos abrir-nos à sabedoria: esse passo chama-se metanoia.

 

Enrique Martínez Lozano

Traducción de Marcelino Paulo Ferreira

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